Artes / Poemas · Junho 16, 2023

The war and my cat, de Maria Andresen

Ali onde há vãos, houve janelas,
portas, passadiços,
(os meus olhos não se prepararam, nem os meus passos nem os meus dias, nem
tudo o que fez a minha vida)
há portas partidas e janelas penduradas
ali havia pessoas, casas, pássaros fugazes, mudáveis aves

O vento voltou a assobiar com seu canto gelado,
um gato estonteado, um cão e o seu uivo preso, tão longo,
tão imprópria é toda a forma de dizer

e amanhã, que faremos amanhã, se eu tenho medo de olhar para mim, se eu
tenho medo que o delírio nos toque, nos leve,
tenho medo das minhas mãos, terror de tudo quanto contamina
eu não sei como se emerge de uma cave

– Vens para me matar? pergunta a criança no seu sono,
tenho medo de estar só neste lugar remoto, sob a noite que nos cobre,
tão remotas são a minha vida, a minha terra, as estações do ano quando passam,
as pessoas possuindo as suas casas, os seus bichos, o seu ir e o seu chegar

Quando tudo se parte
rodeio-me de algumas coisas, as que ficam, atravesso os vãos sem casa, os
passadiços, fico passiva como se alguma coisa grande dentro de mim morresse

Sabes? Não aguento mais mortes, nem ao longe, seja sob que forma for
nem a morte de uma flor e sobretudo não a morte do meu gato
só nos animais, os próximos, encontramos a alma grande, a que nos fita com
confiança

quando todos partirem
ter-te-ei comigo, sê a minha força, faz que eu não chore

apesar de tudo, na terra devastada, quando tudo arde um ser me procura

olho-te quando assim inclinas a cabeça e comovo-me
só em ti está a reserva de humanidade
só tu me pegas ao colo e me levas pela pata no silêncio da terra

Maria Andresen