Artes / Poemas · Junho 16, 2023

Lacunas, de Nuno Júdice

Falta-me o voo das moscas enlouquecidas
do outono; falta-me também aquela osga,
na parede do verão, à espera de algum mosquito;
falta-me a água estagnada por onde passam
as louva-a-deus, louvando o podre
perfume que as alimenta; falta-me essa abelha
que passeia por entre botões de flor,
passeando a beleza das suas asas num paraíso
de folhas verdes; falta-me a luz incerta
nos olhos de um cão que desistiu
da vida; faltam-me vozes de crianças, na rua,
ao saírem da escola; falta-me esse ninho
de andorinha de onde saem pequenas cabeças
para que a mãe as alimente; faltam os passos
que me diziam quem estava para chegar;
falta-me um carro de bombeiros para
apagar o incêndio de tróia; falta-me esse
comboio a vapor das férias de infância;
e falta-me, agora, e apenas, um verso
para acabar este poema.

Nuno Júdice