Artes / Poemas · Junho 16, 2023

Requiem pelos que ainda esperam, de Nuno Júdice

Lembro-me, às vezes, dos que
pensavam que isto andava tudo ligado, dos
que apenas tinham um sentimento acidental,
dos que esperavam que, do tecto, caísse
alguma barata, enfim, de todos os que,
uma vez ou outra, sonharam que existia
um olimpo, e acabaram a bater com a cabeça
nas esquinas do inferno. Sentei-me com eles
à mesa do café, ouvi o que me diziam e
tomei nota, na cabeça, dos sonhos
impossíveis de uma revolução
que os salvasse. Devia ter-lhes dito que
nenhuma revolução nos salva, a não ser
que tenhamos a fórmula necessária
para salvar uma revolução. Nenhum deles
a tinha, e não sei se alguém
a terá, agora que as revoluções, também
elas, deram com a cabeça nas esquinas. E também
eu lhes diria que tudo está ligado, que
todos os sentimentos são acidentais, e
que já não caem baratas nos copos, se
ainda soubesse o caminho para o café onde
me pudesse sentar com eles, e
discutir, nalmente, o caminho para
não nos cruzarmos com alguma revolução
que nos queira salvar, para ver
se algum deles se poderia salvar.

Nuno Júdice