Revejo a toalha florida
dos dias antigos
e nós à mesa
a mãe a servir felicidade
cheirosa
da terrina azul
e o pai a afagar-nos
com o pão acabado de
partir
Eram domingos
onde a canja sabia a
beijos
o frango a
amor
e o puré a
carícias
Já ninguém sabe da
existência desses
domingos
imensos
o frio lá fora
e nós a cheirar a sabonete
a sorrir
a sorrir
desconhecendo que um dia
a terrina estalaria
e o pão ficaria duro
O vento
naquele tempo falava
e rugia alegremente
na janela
trazendo-nos o eco feliz
das giestas
e pela vidraça
não víamos os dias
a apodrecer
e os minutos
do relógio de parede
que dançavam ao som da chuva
trazida da montanha
pertenciam-nos
como eram nossos
o cheiro do sabonete
depois do banho
o pijama
o roupão
e as pantufas
não sabíamos que
um dia
deixaria de haver domingos
e outros dias
e que tudo seria pó e mais pó
como lembranças
distantes e
difusas
à espera de serem
esquecidas
Revejo a toalha
agora de flores murchas
em volta apenas
fantasmas
e as nossas sombras
partidas