Poemas · Outubro 19, 2021

Poema a Manuel António Pina, de André Osório

Não te falarei do indivisível,
do inexorável,
do silêncio que nos cobre,
ante a fogueira,
numa noite de Inverno.

Não esperarei entre a madrugada,
quando o pranto dos plátanos
floresce contra a madeira,
ou, por trás das pálpebras,
o vento ecoa. Não,

nem dos lírios, dos vagos desesperos
das vozes que naufragam
no redemoinho de uma lírica transeunte,
que no sangue nos constrange já os anos
e constrói estas paredes. Não.

Nada disso (nem mesmo isto),
nos salvará. Acorda-se numa manhã fria,
dois ovos e uma frigideira,
a luz – entre os estores – penetrando o reflexo.
No final de contas, deixamos tudo:

a casa vazia, a moldura
que respira secretamente só para nós,
os pilares de toda uma estrutura
abandonados; tudo arde só para nós.

É uma noite de Inverno, está frio,
muito frio.

Sentamo-nos aqui em espera de algo.

 

André Osório