Artes / Poemas · Junho 15, 2023

Jam session nos Andelys, de João Paulo Esteves da Silva

Adeus pássaro negro. As frases do alto
iluminam os meus acordes
com luz sobrenatural.

No cimo da escarpa, Richard le quor de lion
retira o elmo, esfrega as orelhas
para deixar entrar a música.

A rocha ficará inexpugnável,
enquanto o Sena for para norte com o Sado.
Em baixo, na praia de seixos, continuamos a tocar.

É um fim de tarde, e um primeiro voo
ergue-se vertical. Parece sonho,
quando a verdade espreita, pura e dura.

Rebenta, então, o fogo de artifício;
corremos para o abrigo duma crêperie.
Depois, a jam finda sob os holofotes.

Vou ao volante da 104, no regresso,
contigo ao lado e o piano atrás,
por estradas escuras, máximos acesos.

Anos e anos para chegar a casa,
sem me lembrar daquela rocha alta
onde estive sentado a tocar sobre o rio.

Acumularam-se alucinações,
miragens credíveis, sereias, laranjas,
traições, doenças, mágoas, descaminhos.

Coisas de vento, a fingir consistência,
pouco a pouco me foram ensinando
a destrinçar o cheio e o vazio.

Tanto é que, só hoje, em plena confusão,
com o queijo da serra a invadir os pastéis,
pude cantar, enfim, aquela realidade.

João Paulo Esteves da Silva