Adeus pássaro negro. As frases do alto
iluminam os meus acordes
com luz sobrenatural.
No cimo da escarpa, Richard le quor de lion
retira o elmo, esfrega as orelhas
para deixar entrar a música.
A rocha ficará inexpugnável,
enquanto o Sena for para norte com o Sado.
Em baixo, na praia de seixos, continuamos a tocar.
É um fim de tarde, e um primeiro voo
ergue-se vertical. Parece sonho,
quando a verdade espreita, pura e dura.
Rebenta, então, o fogo de artifício;
corremos para o abrigo duma crêperie.
Depois, a jam finda sob os holofotes.
Vou ao volante da 104, no regresso,
contigo ao lado e o piano atrás,
por estradas escuras, máximos acesos.
Anos e anos para chegar a casa,
sem me lembrar daquela rocha alta
onde estive sentado a tocar sobre o rio.
Acumularam-se alucinações,
miragens credíveis, sereias, laranjas,
traições, doenças, mágoas, descaminhos.
Coisas de vento, a fingir consistência,
pouco a pouco me foram ensinando
a destrinçar o cheio e o vazio.
Tanto é que, só hoje, em plena confusão,
com o queijo da serra a invadir os pastéis,
pude cantar, enfim, aquela realidade.