Poemas · Outubro 26, 2021

Epitáfio, de Manuel João Vieira

para o Zé Gabriel

A morte osculou-me com pálpebras de pétalas lilases
Levou-me pelas verdes veredas de cidades fugazes
Ondulou-me os cabelos, arrepiou-me todos os pelos
Sentou-me como a um bebé no seu colo
E colocou-me uma gravata de paisagens em miniatura para onde se
podia entrar.
Jogámos, para fazer as pazes
Fiz batota, saíram-me quatro azes
Levou-me para a sua agrinaldada barca no landau do tempo de
D. Pedro V, prestes a transformar-se numa mal-disposta abóbora
carnívora
No Porto as ondas batiam negras contra paredões de calcário e
salpicavam o mármore rosa onde figuras de outros tempos jogavam
xadrez nas quadrículas de pedras embutidas do chão.
Subimos e descemos colinas e paisagens até ao infinito.

 

Manuel João Vieira