quando eu era jovem
costumava ler no meu atlas mundial
e quando digo ler
quero mesmo dizer ler
eu não olhava apenas para ele
eu lia – o
abria-o sobre os meus joelhos
e mergulhava em países
que me apareciam em 3D
era como essas galerias de olhos mágicos
um mundo de sonho a realizar-se
um programa de TV de fantasia
da mesma forma que uma pessoa cega usaria as pontas dos
dedos para ler Braille
os meus dedos percorriam o cume das montanhas, sentiam os
rios a correr
deslizavam ao longo das linhas de costa e dos trilhos da ferrovia
e, às vezes, a autoestrada
mesmo quando conduzia um carro estava mais longe de mim
do que se me deslocasse de comboio ou de avião
Sonhava com cidades estrangeiras cheias de cultura,
com conhecer pessoas e ver edifícios novos e antigos
numa mistura de estilos e épocas
tudo embelezado por cores e odores
imaginava como seria a atmosfera
vagueava pelas ruas, tropeçando em paralelepípedos
locais cobertos de mármore ou pavimentos de pedra calcária
em Paris, em Londres, em Roma, em Praga
Viena, Madrid, Estocolmo, Edimburgo,
em Lisboa, Helsínquia e Budapeste
Reiquejavique, Dublin, Atenas e em tudo o que há de interessante
neste continente,
não é preciso dizer, penetrava cada vez mais.
mas fiquemos, nesta região da terra onde
eu ambicionava colecionar cidades visitadas como outros
colecionam tampas de garrafa
mas, olhando de cima para os mapas coloridos,
as fronteiras são apenas linhas finas.
e para mim, crescendo num país reunido
e a desenvolver-se lentamente no que chamamos de U.E.
As fronteiras abriam-se mal o meu dedo
tocava no mapa
como uma agulha quando posta em contacto com o disco
e a minha mente sonhava acordada
ou num documentário que vi recentemente na TV
E na minha imaginação
aquela única circunstância
ao separar-nos de todos os outros lugares bonitos
(do contacto de pessoa a pessoa)
constitui o tempo que nos leva a percorrer a distância de permeio
mas eu ainda tinha que aprender muito mais com esse sonho
Aprendi que as fronteiras não são traços finos de pena em
pergaminhos
mas distorções entre as pessoas
entre pobres e ricos
desfavorecidos e privilegiados
entre sexos e géneros
livres e dependentes
incultos e educados
doentes e saudáveis …
e hoje em dia, este continente tão tão tão sofisticado
este bando de governos egoístas
permite que pessoas morram em vão afogadas nas suas costas
permite que refugiados sejam espancados e estuprados
em estados vizinhos para isso pagos
e paga a tropas para partirem os seus óculos, costelas e clavículas
para que eles não possam mais carregar as suas mochilas
mas não paga nenhuma contribuição
à constituição dos direitos humanos
esta violência é uma prova evidente de que essas fronteiras
existem nas mentes
ainda mais aguerrida
do que em qualquer mapa
isto não é um fundamento
onde as fronteiras são um instrumento
para manter os frutos da exploração global
dentro desta estranha combi-nação
Mas onde está o sonho
daquela criança
que esperava ir viver livre
como qualquer ser humano deveria idealmente ser?
As raízes da humanidade
crescem mais fundo do que quaisquer fundamentos de vedações
podem estabelecer
e quando se puser um ouvido em qualquer vedação de arame
farpado
os ventos nas suas brechas irão fazer-se ouvir
e mesmo no meio de uma pandemia
onde a Europa sofre uma febre coletiva de confinamento
um dano colateral para permanecer saudável
pode ser
que o que nos une
sejam as histórias, os poemas, as imagens, as canções, as artes que
compartilhamos,
e enquanto as crianças olharem
nos seus atlas mundiais
tentando agarrar
esta esfera ilimitada e sem fronteiras em que existimos
talvez, talvez Wittgenstein estivesse um pouco errado quando disse
«Os limites da minha língua significam os limites do meu mundo»
visto que os limites da imaginação não são nenhuns
e a liberdade de uma população é a soma de seus horizontes
pois a liberdade de uma população é a soma de seus horizontes
when I was young
I would often read in my world atlas
and when I say read
I mean read
I did not only look into it
I did read it
spread it open across my knees
and sunk into countries
that would appear to me like 3D
to be like these magic eye galleries
a dream world to be
a TV-program of fantasy
like a blind person would use their fingertips to read Braille
my fingers drove across mountain tops, felt rivers flowing
glided along coastlines and railroad tracks and sometimes, the
Autobahn
even when driving a car was more far from me than going by train or
plane
I dreamt of foreign cities full of culture,
meeting people and seeing old and new buildings
in a mixture of styles and epochs
embellished by colours and odours
wondering what the atmosphere would be like
wandering along the streets, stumbling over cobble stones
marble plastered places or shell limestone pavements
in Paris, in London, in Rome, in Prague
Vienna, Madrid, Stockholm, Edinburg,
in Lisbon, Helsinki and Budapest
Reikjavik, Dublin, Athens and all the interesting rest of this continent
no need to say, even further.
but let us stay, in this region of earth where
I longed to collect visited cities like others collect bottle caps
but, looking from above over colourful maps,
borders are thin lines only.
and for me, growing up into a reunited country
and something slowly developing what we call the E.U.
borders would open up as soon as I got in touch
with my finger on the map
like a needle to the record
and my mind daydreaming
or in a documentation i lately saw on TV
And in my imagination
that only circumstance
separating us from all the other beautiful places
(from connecting from person to person)
is the time it takes you to gap the distance in between
but I still had to learn a lot more from this dream
I learned that borders aren’t thin feather pen strokes on parchments
but disfigurements between people
between poor and rich
raw and privileged
between sexes and genders
free and dependent
uncultivated and educated
sick and healthy…
and nowadays, this so-so-so-sophisticated continent
this bunch of egoistic governments
lets people in vain drown at its coasts
lets refugees get beaten and raped
in paid neighboured states
and pays for troops to break their glasses, ribs and collar bones
so that they can’t carry their backpacks anymore
but pays no contribution
to the human rights constitution
this violence is evidence that these borders
do exists in heads
even much bolder
than on any maps
but what could you expect
from a continent
that began with rape culture
when a man disguised as an ox misused his powers
to kidnap a woman just to have sex
this is not a fundament
where borders are an instrument
to keep the fruits of global exploitation
inside this strange combi-nation
But what about that dream
of a kid
that hoped to go and live free
as any human on earth should ideally be?
The roots of mankind
grow deeper than any fences fundaments can get set
and when you put an ear to any barbed wire fence
the winds in its gaps will whisper
and even amidst a pandemic
where Europe suffers a collective cabin fever
a collateral damage in order to stay healthy
maybe
what bridges us
are the stories, the poems, the pictures, the songs, the arts we share,
and as long as kids stare
into their world atlases
trying to grasp
this limitless, boundary-free sphere we happen to exist on
maybe, maybe Wittgenstein was a bit wrong when he said
»The limits of my language mean the limits of my world«
As the limits of imagination are none
and the freedom of a population is the sum of their horizons
as the freedom of a population is the sum of their horizons