Poemas · Julho 20, 2021

Acanthu — Indómito & Peculiar, de Manuel Neto dos Santos

I
Trago-vos um alto segredo, à flor da terra, através da corrente
oculta das fontes dobrando os tenros caules das flores, erguidas
nas suas margens estreitas das ribeiras.
Trago-vos o alto segredo dos pesados portões da nostalgia que
nos desenham o cárcere para cá da eternidade para que me
descubra, no serpentear do caminho como nesga de pó no dorso
da montanha.
Trago-vos o alto segredo nesta indómita voz peculiar para que os
rios de fogo se tornem lava arrefecida e eu vos apregoe, nos
lancinantes gritos, o meu canto celebrado… como paisagem feita
de palavras.

II
Toma este ruído perturbador do instante, e da folha imaculada.
Desvia, com o olhar, a cortina suspensa e imprevista sobre o
mundo, quando apenas os ponteiros do relógio te cadenciam o
coração.
Toma este gesto maduro, dentro da cabeça. Os versos são
cânticos hesitantes ao desembocar na ponta da Língua (de areia)
sobre os lábios ressequidos de tão desfraldada espera…
Toma este ruído… como manto irreal de neblina a coroar-te os
ombros;
até que a vida seja celebrada entre os dedos espantados ou
esquecida entre cruéis escombros… ainda que o não queiras.

III
Trago-vos o abismo primordial do que ainda se procura; em cada
suspiro o fôlego das palavras e o sopro que assassina a flama ou
traz, à luz (do mundo) o mais feroz incêndio.

IV
Toma o ímpeto do movimento do poema, como desespero
radical, e avancemos pelo interior da contestação do real. Vivo
de angústias, tal como o musgo rasteiro ganha o seu aspecto
aveludado da poalha de neblina.

Toma o ímpeto do movimento afirmativo, no gesto vital, quando
domestico as palavras e as levo pelos estreitos carreiros das linhas
inseguras, até que se derrame a claridade solar sobre a folha onde
verto a fulgurante nudez do azul em fundo branco.

V
Trago-vos a gravidade sacral de um coro grego dentro do sangue,
no momento intacto e puro a transbordar de si mesmo.
Eis a apolínea naturalidade do caos nesse lugar onde o canto das
coisas e dos seres recorta as planícies do vazio, alcantiladas sobre
o mar. A flor do acanto.
Trago-vos a gravidade do voo, no impulso da estranheza porosa
e aberta, acabada de nascer.

VI
Dá-me a incerteza aérea do desejo para que te devolva a
respiração do espaço.
Escrevo de pé; eis o peso do meu frágil corpo… asseverando a
tonelagem do mundo, na matriz orgânica do rosto vergado sobre
a folha.
Dá-me a incerteza terrena de um errante caminhar ao sabor dos
sons e das trémulas sílabas, agudamente, acentuadas;
Entre o traço nublado pelo céu… e os riscos lutuosos das
estradas.

 

Manuel Neto dos Santos