Artes / Poemas · Junho 14, 2023

O Celeiro, de João Rasteiro

“nesta cave de pele te implorei os dias
óleo da manhã nas mãos desertas”
António Franco Alexandre

Sabes, o olfacto do teu sonhado
rosto inundou outra vez
a fala do mundo esta manhã.

*
As palavras, feridas, do alto dos olhos
espreitam, fala e culpa,
sem cessar, implacáveis, cruas.
*
Coabitarei, cuidadoso, com o jugo
da culpa, na próxima florescência
do teu rosto, brilhando na noite.
*
E como Viriato nas orlas do Douro
“este que vês, pastor já foi”,
não “de gado”, mas de teu coração.
*
Estes teus olfactos nocturnos
são agora “o consolo contra a culpa”,
a respiração ofegante das cinzas.
*
É esta a arte da violência
onde não estás, estando o celeiro nu –
somente o teu olfacto habitando o lugar.

João Rasteiro