Disse-me a minha mãe, por altura da Páscoa, que eram dignas
as meninas de vestidinhos brancos, meias de renda e sapatos de
verniz
que eram bonitas as meninas quietas sob as vozes invernais,
e que de boca parada, essas meninas, haviam de fertilizar as terras
áridas que o mundo semeara.
na missa de domingo, por altura da Páscoa, muitas eram as
meninas
que traziam primaveras no cabelo, alinhadas nos bancos maciços
da capela,
aguardavam paradas que o vento as enxotasse para dentro da
bainha de umas calças
num prenúncio de vida bafienta, como ficariam, certamente, os
vestidinhos brancos arrumados nos roupeiros antigos.
As paredes frias dos lugares, disse-me a minha mãe, tocam
sempre as meninas dignas,
gesto supremo de fartura anuviada que as pedras gostam de
oferecer
antes de a tempestade incendiar as janelas fechadas de uma casa e
os cães se fazerem mudos.
Podem ser mudos os cães?, perguntei um dia à minha mãe,
Se a minha mãe tivesse a voz cosida de verdades, não lhe teria
adormecido o rosto na tristeza nem as mãos no avental,
não me respondeu a minha mãe, não percebia nada de cães, disseme,
porém,
por altura da Páscoa, que eram bonitas as margaridas do campo e
as ruas caladas,
que os ventres inchados no verão rebentavam surdos sob as mãos
tortas de calor,
E que nessa altura, as meninas, de vestidinhos brancos e meias de
renda,
ficariam ainda mais dignas, embaladas no silvo dos ciprestes,
sorridentes às lágrimas lamacentas de uma voz para sempre
invernal.