Investigadores descobriram que a saliva do verme da cera e as enzimas que ela contém são a chave para a degradação do polietileno. Isso posiciona-se como uma solução biológica para a crise da poluição por plástico.

Os plásticos infiltraram-se em todos os aspetos da nossa vida moderna, desde as embalagens de alimentos até às roupas que vestimos. Embora a sua praticidade e baixo custo os tornem onipresentes, a sua imensa produção e, acima de tudo, a sua resistência à biodegradação desencadearam uma crise de poluição ambiental global.

Milhões de toneladas de polietileno (PE), o tipo de plástico com maior produção mundial, representam cerca de 30% e aumentam significativamente a cada ano, além de serem persistentes no ambiente, pois podem durar séculos acumulando-se em aterros e ecossistemas. Este problema urgente exige soluções inovadoras que vão além da reciclagem convencional.

Atualmente, a reciclagem mecânica é a única forma em grande escala de gerir os resíduos plásticos, mas enfrenta limitações severas. Fatores como a baixa quantidade de tipos de plástico adequados para este processo e a qualidade inferior dos produtos secundários restringem gravemente o seu potencial.

Por outro lado, existe a reciclagem química, que procura decompor os plásticos para aproveitar intermediários mais pequenos, mas os seus elevados custos energéticos dificultam o processo e a garantia funcional. Por isso, a busca de alternativas é indispensável.

Muitos tipos de plástico podem levar centenas de anos para se degradar, o que significa que o plástico que descartamos hoje continuará a poluir o meio ambiente por muito tempo.

Diante deste desafio monumental, a comunidade científica não cessa na sua busca por alternativas criativas. Nos últimos anos, foram identificadas algumas bactérias, fungos e outras espécies que têm a surpreendente capacidade de degradar os plásticos.

Vermes da cera juntam-se à luta contra a poluição

Uma descoberta surpreendente ocorreu em 2017, quando Federica Bertocchini, investigadora do Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC) e apicultora amadora, observou acidentalmente uma nova e promissora via de investigação contra a poluição por polietilenos.

Bertocchini notou que alguns vermes, mais tarde identificados como vermes da cera ou da mel (Galleria mellonella), tinham perfurado um saco de plástico onde os tinha colocado temporariamente. Para sua surpresa, estes insetos estavam a alimentar-se do polietileno.

Esta descoberta foi transcendental, pois oferecia uma perspetiva biológica invulgar para abordar a decomposição de um material tão resistente, que pode levar décadas ou séculos a degradar-se completamente de forma natural.

Investigações posteriores aprofundaram esse mecanismo biológico. Em 2022, a equipa de Bertocchini revelou o segredo por trás da incrível habilidade da larva: a sua saliva contém enzimas específicas, pertencentes à família das fenol oxidases.

A) Esquema de recolha e aplicação da saliva. B) Análise RAMAN de película de PE e película de PE tratada com GmSal: 3 aplicações de 90 min, 30 μl cada. Os picos entre 1500 e 2400 cm − 1 indicam diferentes vibrações de alongamento coletivo devido à presença de outros compostos orgânicos, sinal de deterioração do PE (seta vermelha). A oxidação é indicada entre 1600 e 1800 cm − 1 (grupo carbonilo) e 3000–3500 cm − 1 (grupo hidroxilo) (setas pretas) 78 . C) Película de PE de controlo. Os colchetes indicam os picos que caracterizam o PE (assinatura do PE), correspondentes às bandas em 1061, 1128, 1294, 1440, 2846 e 2880 cm − 1 . D) Perfis sobrepostos ( B e C ), película de polietileno expandido tratada com saliva de Samia cynthia.

Estas enzimas são capazes de iniciar a oxidação do polietileno de forma eficiente e, mais notável ainda, à temperatura ambiente. Esta descoberta molecular é fundamental, uma vez que a oxidação é o primeiro e mais difícil passo da biodegradação do PE, geralmente impulsionado por fatores abióticos como a luz ou a temperatura.

Mecanismos de decomposição

O professor Bryan Cassone, do Departamento de Biologia da Universidade de Brandon, liderou um estudo para desvendar esses mecanismos biológicos em profundidade. As suas investigações confirmam que a larva da cera tem uma notável capacidade de degradar metabolicamente os plásticos a uma velocidade impressionante, em questão de poucos dias.

Ele afirma que “cerca de 2.000 vermes da cera podem decompor um saco inteiro de polietileno em apenas 24 horas”. “Com este ritmo de degradação, sugere-se um potencial real para aplicações práticas”.

O estudo de Cassone também lançou luz sobre como os vermes processam o plástico: eles transformam-no em lípidos, que depois armazenam como gordura corporal, de forma semelhante à forma como os humanos armazenam gorduras. No entanto, uma dieta exclusivamente plástica resulta na morte rápida dos vermes, que não sobrevivem mais do que alguns dias e perdem massa considerável. Isto levanta a necessidade de suplementação alimentar para manter a sua saúde.

Apesar deste inconveniente, a equipa de Cassone mantém uma postura otimista, acreditando que pode formular um superalimento que não só mantenha os vermes em boa forma física, mas que até melhore a sua saúde.

Duas vias principais que contribuem para a crise do plástico

A criação em massa de minhocas com uma dieta suplementada com polietileno dentro de uma economia circular, ou a reengenharia da via de biodegradação do plástico fora do animal, aproveitando as enzimas descobertas.

A investigação aprofundada na saliva do verme da cera revelou a presença de duas enzimas fundamentais, denominadas PEasas: Demetra e Ceres. Estas são as primeiras enzimas conhecidas capazes de oxidar e despolimerizar películas de polietileno à temperatura ambiente e em muito pouco tempo, produzindo cetonas e outros subprodutos de baixo peso molecular.

Esta descoberta é revolucionária, pois supera o gargalo da oxidação abiótica que tem limitado o avanço da biodegradação do PE.

A existência destas enzimas de insetos, que atuam sem necessidade de pré-tratamentos e em condições ambientais, representa um paradigma alternativo e promissor na degradação biológica do PE.

Isto não só abre um novo caminho para a reciclagem ou supraciclagem de componentes plásticos, mas também sugere que a saliva de insetos pode ser um vasto depósito de enzimas degradantes. Esta investigação avança significativamente para a possibilidade de uma economia circular para os plásticos.

By acanto