A sobrecarga de trabalho é um dos problemas mais graves do Japão, levando os funcionários a entrar em colapso por exaustão. Apesar das inúmeras medidas que foram implementadas para proteger os trabalhadores, milhares de pessoas são pressionadas a prolongar a sua jornada de trabalho sem compensação.
Em muitos casos, essas jornadas intermináveis geram consequências físicas e mentais que podem ser fatais. Um jovem japonês encontrou uma forma inesperada e legalmente protegida de se livrar das temidas horas extras: fundar sua própria religião. Uma religião que proíbe trabalhar além do horário de trabalho.
O único mandamento de Hisano: sai na tua hora. Em 2018, Motohiro Hisano, cansado da carga de trabalho e da cultura que o rodeava, decidiu fundar uma nova religião que chamou de Motohiro to People, também conhecida como MtoP.
Esta não seria uma religião como qualquer outra: não promete vida eterna nem exige penitência aos seus fiéis. Apenas oferece um mandamento claro: recusar-se a trabalhar horas extras, alegando «razões religiosas» para não o fazer, indica no site do culto. Segundo afirmou em várias declarações, o seu principal objetivo era oferecer uma desculpa válida (e legalmente respeitada) para sair do trabalho à hora certa. «As ‘razões religiosas’ são as razões mais poderosas no mundo das razões. Não faço milagres nem tenho superpoderes. Apenas concedo o poder das ‘razões religiosas’ àqueles que me seguem”, afirmava Hisano em sua mensagem fundadora.
O livro sagrado de Hisano. Se o judaísmo tem a Torá, o islamismo o Alcorão e os cristãos a Bíblia, a religião de Hisano também tem seu livro sagrado: a Lei das Normas Trabalhistas do Japão.
A legislação laboral japonesa oferece uma proteção rígida contra a discriminação por motivos de sexo, raça ou religião aos seus trabalhadores, pelo que é expressamente proibido impor normas ou tomar represálias contra eles por esses motivos. Essa diligência na proteção dos sentimentos religiosos foi que deu a Hisano a ideia de fundar a sua igreja. Se uma religião dita que «recuse-se a trabalhar horas extras desnecessárias, porque é errado gastar o seu tempo em coisas que não quer fazer», como fiel, o funcionário deve seguir esses preceitos. Assim, a empresa não terá outra escolha a não ser aceitar ou enfrentar um processo por discriminação religiosa.
Rezar a X. Para se tornar adepto desta religião, basta seguir uma conta de X e juntar-se aos seguidores do «free lance god» (o deus livre de responsabilidades). Tal como se lê na sua biografia, a religião tem tantos fiéis quantos os seguidores que o contador marca. Neste momento, 17 100 fiéis ao Deus que lhe permite sair do trabalho à sua hora.
A religião de Hisano é ridícula, a realidade não. Tal como acontece com outras religiões paródicas, como o Pastafarismo ou a Coño Insumiso, Motohiro to People adota o humor como ferramenta para denunciar as injustiças laborais presentes na vida quotidiana da sociedade japonesa, sob a forma de sátira e crítica social.
A sobrecarga de trabalho e as jornadas laborais intermináveis mergulharam o Japão num inverno demográfico, com a natalidade em queda livre e um mercado de trabalho envelhecido. Autoridades e empresas estão a impulsionar medidas de conciliação laboral destinadas não só a melhorar a natalidade, permitindo que as famílias possam conciliar a vida laboral com o cuidado dos filhos, mas também a melhorar a produtividade, promovendo o bem-estar dos funcionários. A religião de Hisano é uma denúncia de toda essa cultura de trabalho tóxico que impede as pessoas de terem uma vida além do trabalho.