Imagine estar a desfrutar de um banho na Roma antiga, rodeado de luxo e grandes peças de mármore, e descobrir que a água das suas termas contém vestígios de um dos pigmentos mais exclusivos da história. Foi o que aconteceu em Carlisle, Inglaterra, onde foi encontrado pela primeira vez um fragmento sólido da lendária púrpura de Tiro. Este pigmento, símbolo de poder e riqueza no Império Romano, é associado principalmente aos imperadores e sua corte.
Durante as escavações de 2023, realizadas pela empresa Wardell Armstrong nos terrenos do Carlisle Cricket Club, um misterioso pedaço de cor púrpura foi encontrado nos esgotos de uma antiga casa de banhos romana. O edifício, que data do século III, foi construído na época do imperador Septímio Severo, e acredita-se que possa ter tido alguma ligação com a corte imperial. Esta descoberta, longe de ser trivial, pode mudar a nossa visão sobre a distribuição deste pigmento cobiçado.
Por que é tão importante esta descoberta?
A púrpura de Tiro, fabricada a partir das conchas do caracol Bolinus brandaris, era tão rara e cara que se tornou um símbolo de status exclusivo. A sua elaboração era um processo extremamente trabalhoso: eram necessárias cerca de 9.000 caracóis para produzir apenas um grama de pigmento. Na verdade, o seu valor era tão alto que se dizia que valia mais do que ouro, chegando a custar até três vezes o seu valor em algumas épocas.
O mais surpreendente da descoberta de Carlisle é que não se trata de uma amostra usada, como as encontradas em pinturas murais ou caixões em locais como Pompeia ou o Egito. Este fragmento é um exemplo sólido e não utilizado do pigmento, algo que nunca tinha sido encontrado no norte da Europa e que pode ser único em todo o Império Romano.
Análises detalhadas: o que sabemos até agora?
Após a descoberta, o fragmento foi analisado com a colaboração da Sociedade Geológica Britânica e da Universidade de Newcastle. Os resultados preliminares indicam que o pigmento é orgânico e contém bromo e cera de abelha, o que reforça a hipótese de que se trata de autêntica púrpura de Tiro.
Frank Giecco, Diretor Técnico da Wardell Armstrong, comentou que esta descoberta reforça a ideia de que o edifício das termas de Carlisle poderia estar ligado à corte imperial do imperador Septímio Severo, que residia em York. É possível que a presença deste pigmento esteja relacionada com uma visita oficial do imperador à cidade.
O que significa para a história da púrpura?
Este fragmento de púrpura de Tiro não é apenas uma descoberta arqueológica importante, mas também lança luz sobre a vida no Império Romano no norte da Europa. O facto de ter sido encontrado num edifício luxuoso como uma casa de banhos indica que o pigmento não era reservado apenas para a alta aristocracia, mas também poderia ter sido usado em edifícios públicos de grande prestígio.
Esta descoberta pode levar-nos a repensar como os recursos mais exclusivos do Império Romano eram distribuídos e utilizados, dando pistas sobre o comércio e as relações políticas entre diferentes regiões do império.