Uma equipa de arqueólogos documentou uma descoberta invulgar numa necrópole romana do século I na localidade de Armea, em Ourense. Numa das escavações, concretamente num local utilizado como lixeira nas habitações romanas, apareceu um fóssil de trilobite, uma criatura marinha extinta há mais de 250 milhões de anos. O estudo, publicado na revista Archaeological and Anthropological Sciences, levanta a hipótese de que este fóssil possa ter sido usado como amuleto ou ter um valor simbólico, abrindo uma via de investigação sobre o uso de materiais naturais «incomuns» na Antiguidade.

Os autores do estudo descartam que se trate de um elemento natural do terreno, uma vez que o fóssil provém de formações geológicas distantes da zona, como a Cordilheira Cantábrica ou os Montes de León, o que implica um transporte deliberado.

Também não apresenta sinais de ter sido trabalhado ou modificado, o que reforça a hipótese de seu uso como objeto simbólico em seu estado natural, possivelmente recolhido por sua forma distinta e aparência exótica.

Objeto ritual ou simples curiosidade?

O estudo sugere que o fóssil pode ter tido um significado simbólico para a comunidade romana local. A forma espiral e simétrica do trilobita, bem como a sua origem desconhecida para os habitantes do século I, podem ter despertado um fascínio ligado a crenças mágicas ou religiosas. No mundo romano, amuletos e objetos com significados esotéricos eram comuns, e alguns fósseis já haviam sido documentados em contextos semelhantes, embora de forma muito pontual. Plínio, o Velho, em sua História Natural, já descrevia a atribuição de poderes especiais a certas pedras que hoje poderíamos considerar fósseis.

Nesse sentido, o trilobita poderia ter sido percebido como uma pedra com «alma», portadora de qualidades protetoras ou curativas.

Embora se trate de um achado excecional, o artigo reúne outros exemplos semelhantes no âmbito mediterrânico. Em contextos romanos e até pré-históricos, foram encontradas conchas fósseis ou restos minerais utilizados como ornamentos, amuletos ou elementos rituais. Na península ibérica, no entanto, os casos são extremamente raros, o que torna esta descoberta uma referência única para compreender a relação entre os povos antigos e os objetos naturais que escapavam à sua compreensão quotidiana. Os investigadores salientam que estes objetos, pela sua singularidade, podiam funcionar como marcadores de estatuto, identidade ou ligação espiritual com o desconhecido.

Interpretações abertas sobre a sua função

Os investigadores não descartam que o fóssil tenha chegado ao local por acaso, mas a hipótese de uma deposição intencional ganha força devido ao contexto arqueológico e à sua proveniência externa. Noutras ocasiões, estes fósseis apareceram em contextos funerários. Podem ter funcionado como protetores da alma na passagem para o além, como marcadores de estatuto ou como símbolos de identidade cultural, embora estas interpretações ainda se mantenham no campo da conjectura. A falta de outras evidências semelhantes na região obriga à prudência, mas também realça a importância da descoberta.

By acanto