Numa conversa casual, surgiu o tema do pão. Eu consumo muito pão que faço em casa e, às vezes, tenho que congelá-lo. É uma prática que considero normal e, na própria padaria, eles me dão sacos para o congelador, mas meus amigos não pensam o mesmo porque “o pão descongelado não é o mesmo”. Daí surgiu a pergunta sobre como o congelamento afeta os alimentos que consumimos, e a verdade é que esse é um tema rico e com muitos matizes.

E quase mais importante do que a congelação é a descongelação. Aí as coisas podem ficar perigosas para a nossa saúde.

Cristalitos. A humanidade usa há milhares de anos o que tem ao seu alcance para conservar melhor os alimentos. A salmoura é uma tática, mas em zonas com gelo e neve, enterravam os alimentos para que não apodrecessem. E depois, surgiu o milagre: o congelador. Subestimamo-lo porque o temos em casa, mas é uma ferramenta fundamental, e o que acontece quando colocamos um alimento no congelador é que a baixa temperatura congela a água presente nesse alimento.

E aqui está o cerne da questão: nem todos os alimentos congelam da mesma forma porque, quanto mais água contêm, mais complexo será um bom descongelamento, mais a sua estrutura se altera e isso pode levar-nos a pensar que o congelador não é tão positivo e que altera os nutrientes. Mas, como dizíamos, há nuances.

Depende do que congelamos. O que acontece é que a água interna forma cristais ao congelar. Quanto mais água, mais cristais se formam e, se o congelamento for lento, esses cristais podem romper as paredes celulares do alimento. Quando descongelamos, os cristais se desfazem e é isso que pode fazer com que os alimentos fiquem mais moles ou que os percebamos como aguados.

Os vegetais e as frutas sofrem mais do que a carne porque a quantidade de água que contêm é maior, mas, como dissemos, há nuances, pois existem vegetais ricos em amido cuja estrutura molecular se mantém mais do que desejável após o congelamento.

Se triturarmos a fruta congelada diretamente, ela dá sabor e textura a um batido. Não perde os seus nutrientes e não notamos a mudança de textura

Sabor e textura. Um exemplo. Congelar ervilhas ou milho, ricos em amido, permite que, após a descongelação, tanto a textura como o sabor se mantenham satisfatórios. No entanto, a alface, que contém uma enorme quantidade de água, não só fica sem graça e mole ao descongelar, como também perde o sabor. Isso ocorre porque, na ruptura celular, o alimento perde os seus sucos e, se na carne ou no peixe isso é menos evidente, nas frutas ou vegetais cuja base é a água torna-se muito mais palpável.

Depois, também depende do que fazemos com esse alimento: comer uma alface descongelada é um castigo, mas se congelarmos melancia, que é basicamente água, e sem descongelar fizermos um batido, o resultado será satisfatório. Embora mesmo aí notemos uma mudança no sabor. E alimentos muito gordurosos, como leite ou iogurte, podem separar as proteínas, criando grumos ao descongelar. O abacate, no entanto, aguenta bem.

E os nutrientes? Mas um dos temas centrais do debate girou em torno da perda de nutrientes dos alimentos congelados. Este pode ser o ponto em que há mais confusão e, felizmente, é um ponto que foi estudado para se poder tirar algumas conclusões. Mais uma vez, há nuances. As proteínas, as vitaminas lipossolúveis como a A e a D da carne e do peixe, os minerais e as fibras mantêm-se estáveis na congelação.

Uma investigação da Universidade de Guadalajara sugere que a congelação pode até ser benéfica para preservar certos nutrientes que os compostos bioativos «consumiriam» se não congelássemos os alimentos. No entanto, acontece o contrário com vitaminas hidrossolúveis como a C ou algumas do grupo B, que se reduzem ligeiramente, não durante a congelação, mas sim durante a descongelação dos alimentos.

Além disso, a ultracongelação industrial, que congela os alimentos muito rapidamente, não é a mesma coisa que podemos fazer em casa. Na congelação industrial, os cristais de água são muito menores porque não há tempo para se desenvolverem, danificando menos a estrutura celular dos alimentos.

Congelar bem. É difícil termos à nossa disposição um congelador que nos permita criogenizar um bife em segundos, mas o que temos são técnicas para congelar os alimentos da melhor forma possível. Para congelar, o melhor é colocar o que queremos congelar num saco sem ar ou num recipiente hermético para que não se contamine com os restantes alimentos que guardamos e o seu sabor não se altere. Para descongelar, há uma série de truques, mas dois são fundamentais.

Tão importante quanto congelar é descongelar. Se for algo que vamos cozinhar na hora, podemos recorrer ao micro-ondas ou diretamente à frigideira. Nessa descongelação rápida, os sucos são os que contêm as vitaminas hidrossolúveis e, quando o interior do produto atinge a temperatura ideal, ele estará pronto para ser consumido. Mas se tivermos frango, peixe ou massa de pizza caseira congelada, é uma má ideia deixar a peça descongelando sobre a bancada ou, pior ainda, expô-la ao sol.

Aí a coisa complica e pode até prejudicar o sabor devido a algo muito simples: ao descongelar à temperatura ambiente, a base que fica em contacto com a superfície descongela primeiro e favorece que as bactérias que estavam em pausa retomem a sua atividade em grande, graças ao facto de terem vida, nutrientes e mais água do que antes, aumentando o risco de intoxicação. O que fazer se não tiver pressa? Planeie e retire do congelador o que vai comer no dia seguinte e descongele no frigorífico.

Portanto, se te olharem estranho por congelar o pão, saiba que não só pode continuar a fazê-lo, como os nutrientes não serão afetados se realizarmos o processo corretamente. E o pão descongelado (desde que não tenha ficado meses no congelador e não tenha «queimado») ficará igualmente saboroso depois de torrado um pouco.

By acanto