Sem abrir minas na superfície terrestre nem perfurar o fundo do oceano. A próxima febre do lítio pode não precisar de dinamite nem escavadoras. Em vez disso, algo mais simples: uma membrana mais fina que um fio de cabelo, projetada para capturar o valioso ouro branco que impulsiona a nova era tecnológica em que vivemos.
Um novo caminho. Um grupo de investigadores do Laboratório Nacional Argonne do Departamento de Energia dos EUA (DOE) e da Universidade de Chicago criou uma membrana capaz de extrair lítio da água salgada com grande eficiência e baixo custo.
Como um fio de cabelo. Esta membrana é feita de uma argila abundante, a vermiculita, que custa cerca de 350 dólares por tonelada. Mas o segredo está na forma como a argila foi manipulada: a equipa conseguiu descascar a vermiculita até obter camadas bidimensionais, com apenas um milionésimo de milímetro, que depois empilharam umas sobre as outras. Entre elas, colocaram pilares microscópicos de óxido de alumínio, que mantêm a estrutura estável e funcional mesmo debaixo de água.
Como conseguiram a estabilidade? Neste ponto, é preciso entrar um pouco mais em detalhes técnicos. Os investigadores infundiram a membrana com catiões de sódio, o que alterou a sua carga superficial de neutra para positiva. Neste estado, a membrana repele mais fortemente os iões de magnésio (com carga +2) do que os de lítio (com carga +1), o que permite uma filtração muito mais precisa.
Além disso, ao adicionar mais sódio, os poros do material ficam mais estreitos, o que favorece ainda mais a captura de lítio e permite que apenas os iões mais pequenos, como o sódio ou o potássio, passem.
Um recurso muito precioso. Quem tem lítio sabe que domina parte da geopolítica mundial. Basta perguntar à China, que desde o início do século adotou uma estratégia deliberada de investimento em grande escala em toda a cadeia de valor dos minerais críticos. O resultado dessa aposta é que, atualmente, a China é o principal refinador mundial de 19 dos 20 minerais estratégicos avaliados pela Agência Internacional de Energia (IEA).
No entanto, a forma de extraí-lo continua a ser muito cara, lenta, poluente e geopolítica instável. Hoje, a produção está nas mãos de poucos países, o que abala a cadeia de abastecimento global. E embora a água do mar e as salmouras subterrâneas contenham vastas reservas de lítio, extraí-lo tem sido até agora uma missão impossível: demasiado caro, demasiado ineficiente. Até agora.
A ideia é nova, mas não tanto assim. A China está sempre à frente, isso é inegável. O gigante asiático também teve a ideia de extrair lítio do mar, mas com uma abordagem completamente diferente: um dispositivo flutuante que utiliza energia solar para impulsionar a extração. O sistema, desenvolvido pela Universidade de Nanking e conhecido como STLES, gera pressão por meio da evaporação solar para fazer passar os iões de lítio através de uma membrana com nanopartículas.
Ambos os projetos compartilham um objetivo — acessar o lítio dissolvido na água sem recorrer à mineração tradicional —, mas diferem em sua tecnologia: um usa filtragem seletiva com carga iônica; o outro, transpiração solar como força motriz. Juntos, eles mostram que o futuro do lítio pode não estar no subsolo, mas flutuando na superfície do mar, impulsionado pela ciência de ponta.
Sonhando com o sucesso. Se chegar à escala industrial, esta tecnologia poderá transformar radicalmente o acesso global ao lítio. Países sem minas, mas com costas, salmouras subterrâneas ou mesmo águas residuais poderão tornar-se novos atores no mercado.
Além disso, a tecnologia não serve apenas para o lítio. De acordo com a equipa, o mesmo princípio poderia ser usado para recuperar outros minerais importantes, como níquel, cobalto e terras raras, ou mesmo para purificar água potável, eliminando contaminantes.