O fenómeno só pôde ser observado durante alguns trilionésimos de segundo. No entanto, foi suficiente para refutar a teoria da «catástrofe entrópica». Uma equipa internacional de cientistas conseguiu aquecer ouro a temperaturas que ultrapassam os 18.700 graus centígrados, quebrando assim uma teoria física aceita há décadas. A experiência, liderada pelo Reino Unido e realizada nas instalações do laboratório SLAC, na Califórnia, levou o ouro a um estado limite entre o sólido e o líquido, conhecido como superaquecimento.

Este fenómeno, observado durante apenas alguns triliões de segundos, demonstrou que, sob certas condições, o ouro pode resistir a temperaturas muito superiores ao seu ponto de ebulição, estabelecido em 1064 graus. Contra todas as previsões, o material não se desintegrou imediatamente, como dita a teoria da catástrofe entrópica (tendência natural dos sistemas para evoluir para um estado de maior desordem e caos) englobada na segunda lei da termodinâmica, o que sugere que esse suposto limite térmico pode não ser tão universal como se pensava.

Um método pioneiro para medir temperaturas extremas

A conquista não reside apenas em atingir esses números recordes de calor, mas em ter conseguidomedir com precisão esse estado extremo da matéria. Para isso, os investigadores dispararam raios X sobre o ouro após o impacto do laser. Analisando como essas radiações se dispersavam, eles conseguiram calcular tanto a temperatura quanto a velocidade dos átomos com um grau de precisão inédito até agora.

«A temperatura é uma grandeza que conhecemos há séculos, mas na realidade nunca a medimos diretamente», explicou Bob Nagler, investigador do SLAC e um dos responsáveis pelo estudo, num comunicado de imprensa. Esta nova abordagem permitirá estudar ambientes como o centro de uma estrela, o interior de um reator de fusão ou o escudo térmico de uma nave, onde é fundamental replicar com exatidão as condições reais.

Um modelo superado pela realidade experimental

Além do avanço teórico descrito no artigo publicado na Nature, esta técnica tem um forte potencial aplicado. O ouro já é utilizado em experiências de fusão nuclear como parte dos dispositivos que geram raios X. Conhecer com precisão a temperatura a que estes elementos operam é fundamental para otimizar o seu funcionamento e avançar no desenvolvimento de fontes de energia mais eficientes.

Thomas White, físico da Universidade de Nevada e principal autor da investigação, confirmou que a equipa está agora a trabalhar com outros metais, como prata e ferro, cujos resultados iniciais são igualmente promissores. «Estamos a pensar em fazer experiências diretamente relacionadas com a fusão», disse White, o que poderia abrir novas linhas de estudo no design de materiais resistentes a condições extremas.

Até agora, considerava-se que um material não podia ultrapassar três vezes o seu ponto de ebulição sem perder a sua estrutura. No entanto, a experiência ultrapassou amplamente essa barreira, atingindo 18 700 graus centígrados sem que o ouro fosse imediatamente destruído. Este resultado obriga a repensar as bases teóricas da nossa compreensão da transição de fase e da estabilidade dos sólidos a temperaturas extremas.

«Estou muito grato por o meu trabalho consistir em explodir coisas com lasers para descobrir novas leis da física», disse White num tom descontraído. A frase resume a magnitude da descoberta: quebrar um limite que parecia inamovível e abrir a porta para um novo paradigma no estudo de materiais submetidos ao calor mais extremo.

By acanto